Em entrevista ao O Globo, Gleisi fala sobre internações involuntárias
foto: Paulo H. Carvalho/Casa Civil PR |
A ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, concedeu
entrevista ao jornal O Globo onde falou sobre o tratamento de dependentes
químicos e sobre o projeto que prevê internações involuntárias de dependentes
de droga. Na entrevista ao O Globo, a
ministra falou sobre a dificuldade de fazer tratamento aos usuários de drogas e
que a sociedade tem reivindicado do governo uma estrutura para dar tratamento a
esses dependentes. Gleisi também falou que o a construção do projeto é
resultado da participação de todos os órgãos do governo e que houve consenso que
a família deve ser um representante da saúde e de assistência social. A
ministra defende na entrevista a atuação das comunidades terapêuticas
vinculadas às igrejas. Confira a entrevista publicada no O Globo:
O cerne do projeto de
lei a ser votado na Câmara é a internação involuntária. Na mesa de negociações,
o governo concordou. A presidente Dilma Rousseff e a senhora são favoráveis?
Já existe previsão legal de modalidades de internação, na
Lei Antimanicomial, de 2001. O governo acata a lei e tem de dar condições para
que seja cumprida. O relator da matéria (deputado Givaldo Carimbão, do PSB de
Alagoas) quis que essas modalidades de internação também ficassem claras no
projeto que trata dos usuários de drogas. Como repete a lei, não temos objeção.
Na Lei Antimanicomial, qualquer um pode encaminhar a pessoa ao médico e
solicitar a internação involuntária. Na proposta do relator, seria a família ou
qualquer servidor público. Pedimos que permanecesse clara a possibilidade da
família e que qualificássemos o servidor público responsável por
encaminhamentos, que fosse um servidor com atuação em saúde ou assistência
social, para não possibilitar que servidores da área de segurança pudessem
fazer isso e caracterizar uma repressão. Temos muito cuidado com isso. O
relator concordou e achamos que esse texto cumpre o seu objetivo. A pessoa pode
procurar sozinha um atendimento, ou a família, sempre sob avaliação médica. O
médico dá o laudo final.
A internação
involuntária desperta bastante crítica, dentro do próprio governo. A Secretaria
Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) manifestou em nota técnica
preocupação com internações indiscriminadas, mesma crítica de técnicos do
Ministério da Saúde.
Essa construção foi resultado da participação de todos os
órgãos de governo. Estiveram aqui o secretário nacional de Saúde, o ministro
(da Saúde, Alexandre) Padilha, o ministro (da Justiça) José Eduardo (Cardozo),
a Senad. Em nenhum momento, na mesa de discussão, esse assunto foi levantado.
Todos concordaram com a visão de ser a família, um representante da saúde, da
assistência social (a pedir a internação) e inclusive disseram que isso
representa um avanço em relação à Lei Antimanicomial. Não podemos nos apegar a
polêmicas que não estão embasadas na realidade. Hoje temos dificuldade de fazer
um tratamento para um usuário de drogas. O que a sociedade tem reivindicado é
exatamente que a gente tenha uma estrutura para poder dispor esse tratamento.
Falar de internações indiscriminadas não tem aderência na realidade.
Outro ponto polêmico
é a destinação de dinheiro público para as comunidades terapêuticas. São R$ 130
milhões pela Senad e R$ 100 milhões pelo Ministério da Saúde. A senhora acha
que os editais devem ser modificados para o dinheiro ser liberado mais
rapidamente?
A Senad trouxe para a mesa de discussões a importância de
parcerias com as comunidades. Elas fazem um trabalho que o Estado não consegue
fazer, de acolhimento, de atendimento às famílias. O governo entendeu que era
importante, eu também pessoalmente considerei importante. Nunca pretendemos,
enquanto Estado, enquanto governo, ser donos da verdade sobre esse assunto.
Quando iniciamos o projeto, já conhecíamos as polêmicas, os debates, mas
apostamos que tínhamos mais convergência do que discórdia. A grande
convergência é que estamos diante de um assunto que amedronta a sociedade
brasileira, traz desgraça a muitas famílias e pessoas. Tudo é importante nessa
luta e por isso consideramos a participação das comunidades terapêuticas.
Comunidades que nunca foram vistas por nós como equipamentos de saúde podem ter
uma ação por meio de projetos.
Existe uma
diferenciação das comunidades mais clínicas e das que fazem apenas acolhimento?
Exatamente. A partir daí vimos a dificuldade da Saúde em
encaminhar uma ação com essas comunidades de acolhimento, que são importantes
no processo. Depois do tratamento intensivo de saúde, elas têm o objetivo de
fazer a reinserção social e não se confundem com internação ou tratamento. O
papel das comunidades é apoiar o usuário a se ver livre das drogas. É uma
ajuda. O acolhimento será sempre voluntário. O usuário define sua permanência.
A senhora entende que
o viés religioso das entidades não é um problema? Seria um recurso a mais na
terapia?
Nem todas as comunidades são religiosas e muitas professam
fés diferenciadas. Há comunidades ligadas à Igreja Católica, a igrejas
evangélicas, espíritas. Ser religiosa não pode ser visto como um impeditivo.
Vivemos num país religioso, a grande maioria da população professa uma fé. O Estado
é laico, não pode optar por nenhuma fé, mas isso não significa que ele tenha de
desrespeitar a opção das pessoas. Temos de respeitar: se a pessoa foi de forma
voluntária a uma comunidade e acha que está fazendo bem a ela, se essa
comunidade está seguindo as regras do edital, não cabe ao Estado fazer tutela.
A falta de estrutura
dessas comunidades vem impedindo a liberação de dinheiro público.
Isso é muito novo, nunca houve essa relação com as
comunidades. Elas nunca se prepararam para ter uma ação com o Estado
brasileiro, muitas ainda não estão estruturadas. Vai ter um tempo, mesmo, e vão
perdurar as que têm interesse e que vão se ajustar. Vamos orientar, mas vamos
ser muito rigorosos na cobrança. Os problemas com ONGs em vários ministérios
levaram a uma série de medidas.
Isso atrapalhou a
liberação do dinheiro para as comunidades?
Não atrapalhou. Não faremos nenhum convênio se não for
objeto de um edital público de seleção. Deve haver pelo menos três anos de
atividades. Os contratos de repasses devem ser com entidades sem fins
lucrativos, assinados por um ministro de Estado. Os pagamentos são por ordem
bancária, não há nenhum pagamento que não fique registrado. A (Controladoria
Geral da União) CGU acompanha de perto. Há ainda outros requisitos: segurança
sanitária estabelecida pela Anvisa, comunicação formal de cada acolhimento,
articulação com o sistema SUS, impossibilidade de ações de contenção física ou
isolamento, acesso à comunicação com a família, vistorias por conselhos
municipais. É um processo mais demorado. Quando começarmos a termos os
convênios haverá a prestação de um serviço de qualidade às pessoas.
O edital do
Ministério da Saúde, ao prever equipes médicas nas comunidades terapêuticas,
perdeu o sentido?
Continua valendo, tanto que estão soltando outro edital. Há
clínicas particulares que podem atender, que são equipadas e que e não estão na
rede. Com os equipamentos de saúde, o regramento é muito mais severo. Essas
entidades fazem tratamento de saúde, é diferente.
Na Cúpula das
Américas na Colômbia, em 2012, a presidente Dilma se comprometeu com a
discussão de cenários da legislação de drogas. A senhora é favorável ou
contrária à descriminalização do uso de drogas?
Sou contrária à descriminalização das drogas. Às vezes pode
parecer dar resultado, se formos analisar em relação ao tráfico. Já vi muitos
argumentos dizendo que enfraqueceria o tráfico. Mas necessariamente não
enfraquece o impacto na vida das pessoas. Legalizar uma droga não quer dizer
que minora o problema. Pode ser uma solução simplista. Hoje, uma das drogas
mais motivadoras de violência no trânsito, em casa, contra as mulheres e
crianças é o álcool. Temos de fazer campanhas periódicas falando do problema do
álcool no trânsito.
Mas o álcool é uma
droga legalizada. O que mais se discute em relação a drogas como a maconha é
descriminalizar o uso e continuar a penalizar a venda, o tráfico.
A nossa legislação já prevê a diferenciação. O ministro José
Eduardo Cardozo recebeu os autores do projeto e foi bastante firme em dizer a
proposição do governo. Não aceitamos elevar a pena. Temos de ter foco no
traficante.
A ideia de aumentar
apenas a punição dos grandes traficantes, como propõe o Ministério da Justiça,
é o que o governo defende?
Essa é a posição do governo.
A senhora é contrária
à descriminalização, mas o governo continua a discutir esse cenário no Conselho
Nacional sobre Drogas (Conad)?
Isso está no âmbito do Ministério da Justiça.
O acordo para as
mudanças no projeto de lei a ser votado na Câmara já está bem amarrado?
Fizemos um esforço muito grande para discutir o projeto e
dar uma resposta à sociedade. O Congresso Nacional e o governo têm essa
preocupação. Cada um tem as suas convicções e olha o problema de uma maneira.
Não é um tema fácil, mas não é porque é polêmico e difícil que vamos deixar de
enfrentar, de fazer um programa que atenda o que a população requer hoje de
nós. Fizemos um grande esforço de consertação desse projeto. O relator cedeu, o
governo também avaliou alguns pontos, colocou na mesa. Pode ser que nem tudo
esteja de acordo, mas acredito que os grandes temas vão ser acordados.
A presidente pode
vetar algum ponto?
A possibilidade de veto é uma prerrogativa constitucional da
presidenta, sempre pode. Mas sobre o projeto é prematuro falar o que vai ser o
resultado final da votação. Aquilo que nós acordarmos, com certeza, não será
vetado.
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