DEPUTADO LUIZ CLÁUDIO ROMANELLI: A água é um bem público, não uma mercadoria
O deputado Luiz Claudio Romanelli (PSB) critica o programa de privatizações do governo federal para empresas de água e saneamento, apresenta nota técnica contra a transferência do setor para a iniciativa privada e enumera casos de reestatizações no mundo. “O acesso à água e ao saneamento é um direito humano que possui valor social e não pode ser tratado como simples mercadoria ou negócio”, escreve o socialista.
A água é um bem público, não uma mercadoria
Luiz Claudio Romanelli*
Na semana passada, acompanhei o presidente da Sanepar, Mounir Chaowiche, num roteiro pelo Norte Pioneiro para inauguração de obras e anuncio de novos investimentos para a região. Entre obras recém-concluídas, em andamento e que estão para começar, os recursos ultrapassam os R$ 120 milhões. Para nossa região é um resgate histórico, pois os investimentos darão mais qualidade de vida e redução de doenças com origem hídrica.
Cabe destacar o trabalho do Mounir como gestor público. Funcionário de carreira da Caixa Econômica Federal, foi superintendente da instituição, presidiu a Cohab de Curitiba e a COHAPAR. Na longa carreira no setor público é um grande exemplo de competência e integridade.
Mas voltando ao nosso Norte Pioneiro, as obras são de reforço no abastecimento de água em muitas cidades e localidades rurais e de ampliação e implementação de serviços de coleta e tratamento de esgoto.
Enquanto o Paraná está investindo R$ 2 bilhões em 2018 e 2019, por meio da Sanepar, para atingirmos a universalidade do fornecimento de água e 70% de coleta e tratamento de esgoto, o governo federal fala em desmonte do atual modelo de empresas estatais e quer entregar tudo a iniciativa privada.
O fato é que o setor privado quer só os sistemas lucrativos, enquanto empresas como a nossa Sanepar tem um sistema de subsídio cruzado que garante atendimento a 354 municípios do Paraná e é a melhor empresa de saneamento do Brasil.
Um dos maiores desafios do país é promover saneamento básico, com água tratada e coleta e tratamento de esgoto, porque o saneamento está intrinsecamente ligado à qualidade de vida das pessoas.
Desde que o governo federal anunciou a criação de um amplo programa de privatizações, Programa de Parcerias de Investimento (PPI), que abrange diversas companhias estaduais de saneamento, iniciou-se um debate sobre o tema.
A princípio, 18 estados manifestaram interesse, mas apenas sete iniciaram estudos de viabilidade.
A privatização das empresas de água e saneamento é um tema que gera grandes controvérsias e antagonismos.
A ABCON – Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto, que congrega empresas privadas prestadoras de serviços públicos de água e esgoto, diz que as associações que reúnem companhias estaduais e municipais dedicadas ao setor “demonizam” a iniciativa privada.
A iniciativa privada opera os serviços de fornecimento de água e esgotamento sanitário em 316 municípios de 18 estados no Brasil.
Na outra ponta, organizações como o Dieese manifestam-se contra a privatização das empresas estatais de saneamento. Em nota técnica divulgada no ano passado, o Dieese mostra que enquanto iniciativas para privatizar sistemas de saneamento avançam no Brasil, em muitos países acontece o inverso- a devolução da gestão do tratamento e fornecimento de água à administração pública.
“A principal justificativa para a retomada dos serviços pelo poder público é a constatação de problemas na gestão privada da água, que vão desde a falta de investimento em infraestruturas até o aumento das tarifas e danos ambientais”, diz o estudo.
Segundo o documento, o país com maior número de reestatização dos serviços é a França (94 casos), seguida pelos Estados Unidos (58), Espanha (14) e Alemanha (9). Na América Latina foram registrados casos na Argentina (8), Uruguai (1), Bolívia (2), Equador (1), Colômbia (2), Venezuela (2) e Guiana (1).
Em alguns casos, a reestatização custou caro. Em Berlim, o governo privatizou 49,99% do sistema de saneamento em 1999. A medida foi extremamente impopular, e após um referendo em 2011 – ela foi revertida por completo em 2013. O governo precisou pagar 1,3 bilhão de euros para reaver o controle da empresa, recurso esse a ser cobrado nas tarifas durante 30 anos.
Em uma matéria intitulada “Enquanto Rio privatiza, por que Paris, Berlim e outras 265 cidades reestatizaram saneamento?”, a BBC Brasil mostra que um mapeamento feito por onze organizações majoritariamente europeias, revela que da virada do milênio para cá foram registrados 267 casos de “remunicipalização”, ou reestatização, de sistemas de água e esgoto.
A coordenadora para políticas públicas alternativas no Instituto Transnacional (TNI), centro de pesquisas com sede na Holanda, Satoko Kishimoto, diz que “em geral, observamos que as cidades estão voltando atrás porque constatam que as privatizações ou parcerias público-privadas acarretam tarifas muito altas, não cumprem promessas feitas inicialmente e operam com falta de transparência, entre uma série de problemas que vimos caso a caso”, diz.
Reverter o processo de privatização é muito mais difícil e oneroso, alerta, ressaltando que, nos muitos casos que o modelo fracassou, é a população que paga o preço.
Como exemplo ela cita Apple Valley, cidade de 70 mil habitantes na Califórnia. Desde 2014, a prefeitura vem tentando se reapropriar do sistema de fornecimento e tratamento de água por causa do aumento de preços praticado pela concessionária (Apple Valley Ranchos, a AVR).
A maioria da população declarou apoio à remunicipalização, mas a companhia de água rejeitou a oferta de compra pela prefeitura. Em 2015, a cidade de Apple Valley entrou com uma ação de desapropriação, e o processo agora levar alguns anos para ser concluído.
“Quando as autoridades locais entram em conflito com uma companhia, vemos batalhas judiciais sem fim. Em geral, as empresas podem mobilizar muito mais recursos, enquanto o poder público tem recursos limitados, e muitas vezes depende de dinheiro proveniente de impostos para enfrentar o processo.”
Acredito que as tais parcerias de investimento propostas pelo governo federal precisam ser melhor debatidas com a sociedade que está sendo mantida à margem dessa discussão.
O acesso à água e ao saneamento é um direito humano que possui valor social e não pode ser tratado como simples mercadoria ou negócio.
Em tempo: segundo a Oxfam, cinco brasileiros têm “riqueza equivalente à metade mais pobre da população do País”. Não está em questão a competência de cada qual, mas o que produz tamanha desigualdade.
Boa Semana! Paz e Bem!
*Luiz Cláudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, ex-secretário da Habitação, ex-presidente da Cohapar, e ex-secretário do Trabalho, é deputado pelo PSB e líder do governo na Assembleia Legislativa do Paraná.
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